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02/01/2014

Em chamas

Era mais um acampamento de verão. Todos os meus amigos resolveram se reunir. E se tinha uma coisa que eu gostava de fazer era sentar-me ao lado da fogueira, logo, depois que todos iam dormir. Desde criança sempre gostei de apreciar o silêncio da noite e de ouvir o trepidar da madeira queimando.

Numa dessas noites em que eu estava sentada próximo à fogueira, Ramon apareceu. Ele tornou-se meu melhor amigo, desde o jardim de infância, até que Alex, meu atual namorado, apareceu na minha vida e tornou nossa relação mais distante. Mas eu, também, tinha culpa.

Ele sentou-se ao meu lado muito timidamente. Percebi que ele segurava um caderno de capa dura na cor azul cobalto. Ele abriu, em silêncio, em uma página amarela, marcada por uma fita branca. Seus longos dedos correram toda a extensão da página, depois seus olhos, finalmente, encontraram os meus.

- Quer escutar um poema? – ele perguntou, embora já soubesse da resposta, uma vez que eu era apaixonada por poemas.

- Claro que sim! – disse extremamente animada. Era a primeira vez que nos falávamos depois de vários meses.

Juntei as mãos porque estava fazendo muito frio e me virei na direção dele, dando-lhe toda atenção do mundo, para escutar o poema. Ele suspirou fundo e começou a recitá-lo com uma voz suave e envolvente.

Se nossa história chagasse ao fim, eu a reescreveria. Desde a tarde ensolarada que nos conhecemos, até os dias frios de inverno, em que a distância parecia sufocar a intensa vontade de estar ao seu lado.

Se minha memória viesse a me trair, eu ainda teria um coração para lembrar-me de você. Dos seus olhos castanhos claros. Sua pele macia. Seu cheiro de jasmim. Suas mãos quentes. Seu sorriso luminoso. Seu olhar carregado de amor.

Se nossos caminhos não se cruzassem, eu ainda estaria procurando por você. Na praia em que nos encontramos pela primeira vez. Na sala de cinema que assistimos a nosso primeiro filme juntos. No parque de diversões que brincamos como crianças. E, em todos os lugares possíveis, ali, eu estaria.

Se você partisse, eu ainda estaria pensando em você. No seu jeito encantador. Nos seus abraços. Nas nossas brincadeiras. Nas suas esquisitices. Nossos dramas. E, principalmente, dos nossos pequenos segredos, ainda, guardados a sete chaves.

E se eu realmente não pudesse tê-la como eu gostaria, ainda assim, não hesitariam em sentir a felicidade, embora que através dos olhos de outro alguém; somente para nunca perdê-la de vista.

Ele fechou o caderno e sorriu esperando uma reação minha, então, quebrei aquela atmosfera cheia de sonhos apaixonados que se formou ali.

- Nossa, que lindo! Aposto que você está apaixonado – falei sem hesitar, percebendo que ele me observava.

- Você está certa. Estou mesmo apaixonado – respondeu Ramon, tenso.

- Que garota de sorte! Mas penso que há algo de errado. Porque no poema você se expressa como se esse amor fosse impossível. Estou certa? – perguntei com tristeza. 

Ele abaixou a cabeça e ficou pensativo. Não me respondeu. Seu olhar apenas ficou preso no caderno por alguns segundos, até que, ele tornou a me encarar e tomando fôlego disse:

- Larissa, essa garota é você. Você é minha inspiração, desde que eu te conheci. Escrevi este poema pensando em você. E, pra ser sincero, não tenho medo do futuro, desde que você esteja ao meu lado, não importa como. Quero poder te ver, ainda que, para isso, eu deva ficar longe. Posso até suportar a terrível dor de querer abraçá-la e não poder, ou de quer beijá-la e não ser correspondido.

Senti meu estômago revirar assim que ele falou. Aquilo não podia estar acontecendo. Mas era real. Naquele instante já estávamos tão próximos, um do outro, que eu podia sentir sua respiração pesada. Foi quando nos abraçamos. Perdemos a noção de tempo e ficamos, assim, colados um ao outro. Só senti quando, aos poucos, ele deslizou seu rosto, preso ao meu, na direção dos meus lábios. Choques eletrizantes percorreram todo o meu corpo. Mas ele apenas me fitou com seus lindos olhos de esmeralda, tão próximo quanto pôde, depois depositou um beijo no alto da minha cabeça e cochichou docemente em meu ouvido:

- Boa noite, minha flor! Tenha bons sonhos, porque eu estou tendo um agora. Promete que nunca mais vai se afastar?

- Só se você não permitir que eu acorde desse sonho – disse baixinho, enquanto era sugada por aquele lindo par de olhos verdes.

Nosso abraço se intensificou. Quase não acreditei que dissemos tudo aquilo. Foi tão surreal, tão incrível, ou melhor dizendo, indescritível. Porque naquele reencontro uma chama reascendeu, soltando pequenas faíscas. Uma chama que, entre nós, nunca se apagou. E, agora, nos libertava.

Ficamos envoltos naquela bolha quente pelos próximos dois minutos, mas, logo, nos recompomos, assim, que lembramos de que, ainda, estávamos no acampamento. Voltamos para nossas barracas, com a felicidade estampada em nossas faces. Quase não dormi nessa noite. Vários pensamento atravessaram minha mente. Ao mesmo tempo, que o calor parecia me abraçar, de modo que fiquei pensando no significado do fogo. Pois a ciência nos ensina que o fogo é uma mistura de gases a altas temperaturas, que pode resultar em incêndio; e em razão de seu alto potencial de causar danos físicos, costuma fazer verdadeiros estragos. Era, exatamente, isso. Àquela altura eu estava pronta para ser queimada por ele.

Um comentário:

  1. Anônimo1/02/2014

    Nossa... eu me vi nessa história. Texto perfeito! Parabéns!!!!

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